hqdefault Os fatos confirmam as profecias. Nosso mundo é agora explosivo caldeirão de tormentos. A Natureza agredida reage violentamente em todos os quadrantes. Vulcões desativados voltam a cuspir cinzas e fogo. Furacões devastadores assolam a Ásia. Seca destruidora castiga vastas regiões africanas. Terremotos e tornados fustigam a América do Norte. Maremotos impiedosos afligem a América Central. Estiagens e inundações supliciam a América do Sul. Invernos inclementes consternam as planícies da Eurásia.

A violência humana é, porém, maior do que tudo isso. Engalfinham-se de morte azerbaijanos e armênios, israelenses e palestinos, sérvios e croatas. Guerras tribais ensanguentam a África, vitimando populações indefesas e sofredoras. O comércio internacional de drogas incrementa a níveis nunca vistos seu poder de destruição. A Máfia assassina na Itália, o IRA ataca nas Ilhas Britânicas, as milícias bascas golpeiam na Espanha, o Sendero Luminoso aterroriza o Peru. Crianças e anciãos são massacrados na Bósnia. Multidões desamparadas morrem de fome na Somália.

Aberta crise moral multiplica escândalos em respeitáveis instituições políticas e sociais de povos civilizados, propiciando clima fértil à degeneração dos costumes e à corrida desenfreada às satisfações materiais. A aids avança pelo Mundo, já infestado de epidemias perigosas, enquanto a indiferença de reduzidas elites privilegiadas finge ignorar os bolsões de pauperismo que explodem em todos os continentes.

Mas, apesar de tudo, a vida floresce vitoriosa em toda parte e as luzes da esperança não se apagam, porque os destinos do planeta permanecem sob o controle supremo do Governo Crístico do mundo.

Os poderes do bem triunfarão sobre toda essa pletora de maldades. E enquanto se processam as dolorosas aferições apocalípticas, nosso pequeno Orbe prossegue, imperturbável, em sua jornada sideral, no rumo da gloriosa constelação de Hércules, porque nada pode sustar, no Universo infinito, a força renovadora e fatal da evolução.

Áureo (Amar e servir, 1993)

Os Espíritos Enganadores, que ainda preponderam nas cátedras do mundo, são ágeis em prometer aos que os seguem pletoras de benesses.

Empolgados pela antevisão da riqueza fácil, do poder sem responsabilidades e dos prazeres sem limites, multidões invigilantes se lançam afoitamente à cata de vantagens pessoais a qualquer custo, buscando usufruir o máximo de proveito, mesmo que em detrimento da verdade e da justiça.

Perseguem a riqueza e a glória, o contentamento e a fartura, mas colhem, ao fim de tudo, a decepção e o cansaço, a enfermidade e a desilusão.

Tarde percebem que as sementes do ódio só produzem flores de sangue, e que os frutos do crime são inexoravelmente de amargura atroz.

Jesus, porém, que só oferece aos seus discípulos as cruzes da renunciação e do sacrifício pessoal, para o trabalho em favor de todos, concede permanentemente aos seus pupilos as bênçãos da paz íntima, a assistência desvelada e carinhosa dos seus mensageiros de amor, e a colheita, a seu tempo, das mais sublimes realizações na vida imortal.

Nesse confronto, entre as ilusões e as realidades, compete a cada Espírito a escolha decisiva.

A segurança da fé ou as incertezas da negação.

A tranquilidade interior ou a frustração dos desencantos.

A felicidade real, nas alegrias do dever bem cumprido, ou as cinzas do remorso, na desesperada aflição dos destroços sem proveito.

Não fujas, pois, da cruz. Ampara-te nela, que é o teu cajado confiável na romagem da existência, pois se preferires a miragem das promessas enganosas do orgulho e da insensatez, terminarás por encontrar- te na ardente solidão dos desertos da mentira.

Áureo (Amar e Servir, p. 51)

Somente o criador é infinito; o Universo é finito e curvo. Por isso, qualquer força que você puser em circulação, no seio do espaço-tempo, voltará um dia a você, com os acréscimos que atrair pelo caminho.

Se você ferir alguém, ele sofrerá, e terá de refazer dolorosamente o equilíbrio lesado; mas você responderá pela sua cura e não será feliz enquanto ele não sorrir, recuperado.

Se invencíveis atrações o atrelam a enganosos afetos, não culpe as forças que você emite e que lhe trazem de volta as belas árvores venenosas que você um dia semeou.

Você merece a herança de seus pais e o convívio de seus irmãos; eles lhe devolvem o que você lhes deu no passado, do mesmo modo que você transmitiu a seus filhos o que naturalmente lhes devia.

O bem extingue o mal, como a água apaga o fogo.

Nenhum mal que lhe for estranho se aninhará em sua alma.

O amanhã multiplicará, para você, o que você plantar hoje.

A proporcionalidade é lei da vida; se você só dá meteoritos, não espere receber constelações.

Não despreze a bondade, a troco de ser justo; se Deus fosse somente justo para com você, sua situação seria insustentável.

Não desanime; o Sol volta a brilhar todos os dias, sobre pântanos e abismos, desde o começo dos tempos.

ÁUREO (Correio entre dois mundos, p. 242)

A suprema vocação do amor é o serviço. Quem quer que ame anseiará naturalmente por ser útil ao ser amado, por ajudá-lo a ser sempre e casa vez mais feliz. È assim até no plano dos instintos, quando a natureza impele os nossos irmãos irracionais à dedicação pelos seus semelhantes e á proteção de sua prole, não raro à custa dos maiores sacrifícios e mesmo com risco da própria vida.

Nos altos reinos do espírito, essa realidade assume características que vão do comovente ao sublime e do sublime ao divino.

O Cristo de Deus declarou ter descido ao chão da Terra na condição daquele que serve. Seus discípulos, seguindo-lhe os exemplos, escreveram, com sangue e lágrimas, inesquecíveis epopéias de solidariedade e carinho fraternal.

Nós, que somos Espíritos de parcas luzes e reduzidas capacidades, mas que vos amamos com profunda e imorredoura ternura, sentimo-nos sempre privilegiados e felizes, toda vez que podemos testemunhar-vos a nossa estima, compartindo todos os vossos problemas e participando de todas as vossas aflições, do mesmo modo como nos enchemos de santo júbilo com as vossas alegrias e com os vossos triunfos.

Certo é que amar a Deus, Nosso Pai e Criador, é a maior de toda as felicidades; e amar ao próximo, ainda quando ele se nos apresente vestido com a túnica da inimizade, é a maior e mais venturosa de todas as honrarias.

Na seara do Evangelho, o coração que se abre à inspiração celeste e se faz morada da luz que desce do Infinito é sempre uma fonte viva de alegria perene, donde jorra aquela paz que o Mestre nos desejou e que o mundo não conhece.

Nesta Casa sacrossanta do Angélico Ismael, o título de serviçal é a condecoração mais dignificante a que qualquer mortal pode aspirar.

Quem aqui coopera com amor verdadeiro ao Bem jamais se sentirá injustiçado ou infeliz diante de nenhum obstáculo ou de qualquer problema. Se alguém aqui, no desempenho do dever maior, haver de amargar, em qualquer situação e a qualquer tempo, alguma incompreensão, alguma pedrada ou alguma perseguição, alguma injustiça ou alguma afronta, dê graças e levante o coração em agradecimento aos Céus, pela excelsa ocasião de sofrer algo por amor à Causa Divina.

Tudo pata nós deve ser eterna alegria; cada problema ou grande dor uma nota a mais na maravilhosa sinfonia da felicidade suprema, porque amor que não sabe agir e sofrer, renunciar e construir, esperar e sacrificar-se, não será efetivamente o amor real, sincero e soberano, que move os mundos e cria para a eternidade.

Vosso, do coração.

ÁUREO

 (Correio entre dois mundos, p. 240)

Geralmente, os servidores do bem se mostram preparados para os grandes testemunhos públicos, apresentando-se quase sempre conscientes e dispostos a selar com o próprio sacrifício as suas afirmações de idealismo superior. Quase sempre, porém, os piores e os mais perigosos ataques com que são provados lhes são desferidos pelas costas, sem aviso e sem testemunhas, nas sombras da noite.

Constitui características marcantes dos Espíritos do mal a desfaçatez e covardia; estimam eles, sobremodo, a surpresa da agressão e a vilania dos embustes; têm prazer em fabricar armadilhas e em subtrair às suas vítimas, tanto quanto possam, qualquer recurso de defesa.

Judas esperou a calda da noite pra entregar o Mestre aos seus algozes; era normalmente á noite que os esbirros de César invadiam as catacumbas para prender os primeiros cristãos; e é, ainda agora, no silêncio das horas sem luz que se tramam e se perpetram, no mundo, as maiores iniqüidades.

Tecnicamente, a bênção divina do magnetismo lunar, que favorece todos os processos genésicos e todos os metabolismos criativos, é criminosamente utilizada pelos agentes do ódio, para a subversão do amor e o crescimento da perversidade; entretanto, essa ação deletéria encontra também favorecimento no afrouxamento natural da vigilância dos obreiros, cansados da faina diária e necessitados de repouso e distensão.

Por isso mesmo, não é raro que o operário se descubra, de repente, ferido e enrodilhado onde e como não esperava, sem que, muitas ocasiões, consiga explicar os acontecimentos.

O mal não segue as cartilhas da lógica, e seria muito ingênuo, da nossa parte, esperarmos dele coerência e dignidade.

Grande é a relação de companheiros valorosos que tombaram e continuam a tombar, dolorosamente vencidos, por não haverem podido resistir ao assédio cruel da sombra, em horas tardas e intimidade do silêncio.

Temos, porém, de compreender que a Casa de Ismael e seus obreiros são mais fáceis de serem combatidos, feridos ou prejudicados se sofrerem ataques indiretos, dissimulados e cruéis, freqüentemente de natureza moral, ou então, perdas difíceis de explicar, envoltas na brutalidade de mistérios escuros, provocados por gênios infelizes.

Contra tudo isso, o remédio é o amor, servido por vigilante coragem, por robusta fé no Eterno Pai e por uma paciência incansável e invencível.

É comum que, em ocasiões decisivas, tenhamos de contentar-nos em ajudar silenciosamente e sem qualquer ostentação, pra não interferir indebitamente nos processos de responsabilidade pessoal dos amigos e tutelados, nem lhes roubar o sagrado ensejo de testemunho e vitória.

Não estamos, no entanto, nem cegos, nem surdos, nem indiferentes, nem distantes. Ao vosso lado e ao pé de vós, enxugando as vossas lágrimas, derramamos as nossas, partilhando de vossas aflições e de vossas angústias, enquanto pedimos ao Cristo Divino que vos encoraje e anime, na repetição de suas palavras inesquecíveis:

– “Senhor, não peço que os tires do mundo, mas que os livres do mal.”

ÁUREO

(Correio entre dois mundos, p. 237)

Desfeita no ânimo dos discípulos a angustiosa recordação das dores do Calvário, o reencontro com o Mestre Redivivo plantou no coração imorredouras sementeiras de alegria e confiança. A morte havia sido definitivamente vencida e a certeza da imortalidade gloriosa constituía aval seguro a garantir o esforço de construção da obra renovadora do Evangelho.

O Divino Pastor, no entanto, não mais se demoraria tangivelmente sobre a face da Terra, a sustentar com a sua luz o bom ânimo dos companheiros. Muito em breve, os apóstolos tiveram de reconhecer que deviam assumir, eles mesmos, a responsabilidade de suas próprias tarefas, agindo e decidindo na liberdade responsável de sua a consciência individual.

Também nós contamos sempre com as manifestações soberanas de Mais Alto, nas ocasiões extraordinárias em que soluções transcendentais se mostraram necessárias, além de nossa capacidade limitada. A sensação de alívio e reconforto que então normalmente nos invade, a desejar o convívio permanente com os Poderes Sublimes que nos abençoaram nas horas de crises e transformaram as sombras de nossas preocupações em radiosos instantes de desafogo e de vitória.

Logo, porém, somos compelidos a considerar que o dia-a-dia nos pertence e que não podemos, por enquanto, conviver com a presença ostensiva dos luminares que habitam planos bem mais altos.

Regressados à modéstia de nossos vales, precisamos, não obstante, guardar conosco a claridade divina da fé e a consoladora certeza de que não estamos sós.

No esforço que nos compete, no desenvolver de nossos programas de ação construtiva, o Espírito do Senhor vela por nós.

O testemunho pessoal, contudo, constitui desafio indispensável que não podemos desprezar.

Do Céu receberemos a semente e o solo, a luz solar e o magnetismo da Lua, mas o esforço de plantar, de regar e de colher, esse representa, em qualquer situação, o quinhão intransferível que nos toca.

ÁUREO (Correio Entre Dois Mundos, p.233)

Cada vez que houvesse amanhado a terra e nela plantado uma boa semente, descansa em paz, entregando ao Senhor o resultado do teu esforço.

Não te inquietes nem te angusties, na duvida ou na pressa pelo nascimento da árvore sonhada, nem pela força ou pela glória de suas futuras florações, porque só as grandes potências naturais da vida podem, com a ajuda indispensável do tempo, completar em definitivo qualquer trabalho perfeito.

A consciência de que nenhuma criatura pode criar ou ultimar, seja o que for, senão sobre aquilo que Deus antes criou, é sabedoria que a alma humana ainda precisa conquistar definitivamente, para poder cooperar com mais eficácia em favor do verdadeiro progresso.

Só a tola vaidade dos presunçosos aprendizes da escola terrena dá-se ao desplante de imaginar que é possível construir do nada alguma coisa ou agir a bel-prazer sobre a Criação Divina.

A Paternidade Celeste oferece continuamente, e cada vez mais, aos estudiosos e pesquisadores da Terra, renovadas oportunidades de transformar criativamente a feição e os mecanismos funcionais de tudo o que existe, porque o Pai Eterno educa os seus filhos para a honra suprema de seus cooperadores na multiplicação infinita das grandezas excelências na imensurável Casa Universal.

Necessário, porém, se faz que os homens adquiram a humildade precisa e o invariável bom senso para que sua ação, verdadeiramente construtiva, merca a inspiração superior, na extensão do bem.

Em todos os setores da atividade humana e, em especial, nos riquíssimos campos da genética e da Física, os ensejos de maravilhosas conquistas se tornam sempre mais freqüentes, mas também ai não se irá tão longe nem tão depressa, senão à custa de sincera disposição de servir e ajudar.

É, todavia, no íntimo de cada alma que as possibilidades de transformação e de sublimação das energias, no terreno dos sentimentos e das idéias, mais largos e felizes horizontes se abrem aos seres humanos, que por enquanto não se aperceberam das excelsitudes que estão ao seu alcance.

Tu, porém, meu amigo e irmão em Cristo, que te acercas da bênção renovadora do Evangelho, age e espera, confia e ama, sabendo que, a partir da ação criadora do pai Eterno, tudo poderás, com o tempo e com o amor, com o trabalho e com a esperança.

ÁUREO (Correio Entre Dois Mundos, p. 231)

Chegou a hora de um novo carnaval, mas este que vai começar agora não será como os outros. Desta vez, a festa da carne já não será tão caracterizada pelo disfarce das fantasias, com as quais as potências malignas sempre se esmeraram em camuflar e colorir os seus mais terríveis propósitos. As máscaras não são mais tão necessárias, nem mesmo desejáveis. Agora a nudez é a norma, com toda a sua agressiva desfaçatez. Não apenas a nudez de corpos frenéticos, a nudez da carne soberana e sem freios, mas sobretudo a nudez dos pensamentos que se descobrem, acintosamente, sem qualquer pudor, na ostensiva clareza das pretensões mais abjetas.

Neste fim de tempos, com a permissão divina, para a necessária triagem, que vai finalmente separar o joio do trigo, o mal dispensa as velhas armaduras e não teme mostrar-se na completa arrogância da sua fria crueza.

O crime não escolhe mais nem hora, nem mios nem ambientes, nem vítimas.

A festa que se prenuncia é de carne, mas de carne sangrenta, sofrida e humilhada, de carne em processo de franca decomposição, ainda antes do processo da morte física.

A violência já armou o seu cenário no grande palco do mundo e a função não tardará a começar. Nos bastidores da realidade, já começou, e dentro em pouco a cortina das conveniências será rasgada, para que o drama vingue, infrene, em toda a sua arrasadora plenitude.

A subida dos infernos é como a levantar-se do lodo dos abismos, que tolda todas as águas, antes de cristalina aparência. Não se poderia, no entanto, purificar verdadeiramente os mananciais, sem que o lodo do fundo fosse antes trazido à superfície, para ser então coado.

Os Espíritos prevenidos, que têm olhos de ver e ouvidos de ouvir, agirão como aquelas criaturas prudentes a que os Evangelhos se referem, ao invés de deixar-se arrastar pela correnteza das aluviões sem frei e sem rumo.

Depois das orgias e dos excessos, das violências e dos enganosos triunfos da força humana, virão as lágrimas redentoras e as penas merecidas, mas a noite se escoará, com todas as suas amarguras, nas claridades sublimes e definitivas da Nova Era Cristã.

É bem de ver que, para os discípulos leais a Jesus, as horas que se aproximam, tão ansiosamente aguardadas pelos gozadores e pelos velhacos, não serão de festa, mas de vigília, de jejum e de oração, de testemunhos de renúncia e de coragem.

Isso será, porém, compensador, porque é vindo o momento anunciado em que os habitantes dos “vales” devem fugir para os  “montes”.

Em face da turbulência que se avizinha, nós vos almejamos muita paz ao coração. E enquanto os tambores, os clarins, as balas e os impropérios estiverem poluindo o ar da Terra, que haja no íntimo de nossas almas, a ecoar como música celeste,o som excelso das promessas de amor de Nosso Pai.

Vosso.

ÁUREO (Correio Entre Dois Mundos, p. 228)

Queridos companheiros,

Aí está, clara e insofismavelmente entronizada, pelos homens do século, a imagem constrangedora do paradoxo que voluntariamente criaram:

– incensaram o poder da força bruta, e agora temem pelo desenfreio da violência, que não conseguem conter;

– incentivaram a indisciplina da permissividade, e não encontram saída para defender as sociedades da enxurrada licenciosa e desbordante do vício, que corrompe as melhores reservas das nações;

– recusam honras reais à bondade e ao amor fraterno, açulando os egoísmos desbragados, por considerá-los molas indispensáveis ao progresso, e já não vislumbram meios de equilibrar os ímpetos agressivos que ameaçam a tudo destruir;

– embasaram na iconoclastia e no agnosticismo os princípios éticos norteadores das relações humanas, e amargam a dura necessidade de multiplicar azorragues e enceleirar petrechos destruidores, na esperança de que o terror do mal maior funcione como dissuasão ao autogenocídio;

– trataram com desprezo os apelos amorosos da misericórdia, em favor do entendimento e da paz entre todas as criaturas e vêem-se a braços com o avolumar-se das tensões incontroláveis que as injustiças desataram e enfureceram.

Agora, que a crise fermenta a massa e ameaça explodir, não há como desfazer causas que produziram efeitos inelutáveis, senão apenas o dever de gerar causas novas, suficientemente poderosas para superar o mal e vitoriar o bem.

Enquanto os cirurgiões do desespero buscam, na vã farmacopéia da razão sem luz, o milagre do impossível, continuai, vós outros, no trabalho humilde e santo da reconstrução da esperança e da fundação da sociedade nova do amor evangélico.

A aparente modéstia das vossas atividades não vos deve nunca levar a crer que vosso mister seja, por silencioso e sem estardalhaços, menos importante ou de menor efetividade.

O Reino de Deus será instalado, afinal, mais cedo que parece, neste mundo.

E antes que os últimos ais dos guerreiros deixem de ecoar nas quebradas da Terra, o Senhor dará o governo do mundo aos mansos de coração.

Vosso.

Áureo (Correio Entre Dois Mundos, p. 219)

Dentre os acontecimentos dolorosos e marcantes que recordamos nesta quinta-feira, dedicada á lembrança da prisão de Jesus, destacamos aqui a defecção do jovem que, envolto num lençol, dele desvencilhou-se na hora do perigo e, abandonando o Mestre, fugiu nu.

O Divino Cordeiro enfrentou o instante do supremo testemunho com inigualável dignidade, na serena afirmação de sua crística grandeza espiritual.

Ninguém melhor do que Ele sabia que agonias o esperavam que suplícios morais, que tristes espetáculos de agressividade e pobreza espiritual iria presenciar e sofrer. Deixou-nos, todavia, o mais perfeito modelo de serenidade ante a aparente vitória do mal, de tolerância para com a inferioridade alheia e de fidelidade aos sagrados compromissos assumidos para com o Pai Eterno, por amor à Humanidade.

Em contrapartida, o moço amedrontado fugiu inteiramente despido, não apenas do lençol que lhe envolvia o corpo carnal, mas sobretudo das vestes espirituais da fé e da esperança, da dignidade, do autorespeito e da paz do coração.

Despido, tal como todos nós, quando, para não sofrer os testemunhos indispensáveis, nos afastamos dos deveres difíceis e do trabalho sacificial, nas horas em que a vida nos exige renúncia custosa, autodoação sem condições ou superação clara de nossas velhas fraquezas.

A nudez de espírito é, simplesmente terrível e, a rigor, quase insuportável.

Quem foge da presença do Mestre, abandonando o trabalho e o compromisso, deixando o calor da fé e a luz da esperança, atira-se inelutavelmente ás geleiras escuras do desespero, onde dores muito maiores e mais pungentes sempre ensinam que a cruz do sacrifício pelo Bem é muito mais leve e desejável do que o preço da deserção espiritual.

Aqueles que, como nós, procuramos agora servir, com humildade fiel, na Seara do Senhor, já experimentamos, no passado não muito distante, a amarga desdita dessas defecções desastrosas e lhes avaliamos o custo.

Por isso, ante as maiores dificuldades e sob o peso dos mais rigorosos deveres, sabemos que é ao lado do Mestre, na oficina do trabalho que nos compete, que devemos permanecer, pois é aqui, no caminho de nosso calvário redentor, que encontraremos o alento e a paz, a alegria divina e a felicidade com que sonhamos, na confortadora companhia dos Anjos de Deus.

Áureo (Correio Entre Dois Mundos, p. 215)