Dentre os acontecimentos dolorosos e marcantes que recordamos nesta quinta-feira, dedicada á lembrança da prisão de Jesus, destacamos aqui a defecção do jovem que, envolto num lençol, dele desvencilhou-se na hora do perigo e, abandonando o Mestre, fugiu nu.

O Divino Cordeiro enfrentou o instante do supremo testemunho com inigualável dignidade, na serena afirmação de sua crística grandeza espiritual.

Ninguém melhor do que Ele sabia que agonias o esperavam que suplícios morais, que tristes espetáculos de agressividade e pobreza espiritual iria presenciar e sofrer. Deixou-nos, todavia, o mais perfeito modelo de serenidade ante a aparente vitória do mal, de tolerância para com a inferioridade alheia e de fidelidade aos sagrados compromissos assumidos para com o Pai Eterno, por amor à Humanidade.

Em contrapartida, o moço amedrontado fugiu inteiramente despido, não apenas do lençol que lhe envolvia o corpo carnal, mas sobretudo das vestes espirituais da fé e da esperança, da dignidade, do autorespeito e da paz do coração.

Despido, tal como todos nós, quando, para não sofrer os testemunhos indispensáveis, nos afastamos dos deveres difíceis e do trabalho sacificial, nas horas em que a vida nos exige renúncia custosa, autodoação sem condições ou superação clara de nossas velhas fraquezas.

A nudez de espírito é, simplesmente terrível e, a rigor, quase insuportável.

Quem foge da presença do Mestre, abandonando o trabalho e o compromisso, deixando o calor da fé e a luz da esperança, atira-se inelutavelmente ás geleiras escuras do desespero, onde dores muito maiores e mais pungentes sempre ensinam que a cruz do sacrifício pelo Bem é muito mais leve e desejável do que o preço da deserção espiritual.

Aqueles que, como nós, procuramos agora servir, com humildade fiel, na Seara do Senhor, já experimentamos, no passado não muito distante, a amarga desdita dessas defecções desastrosas e lhes avaliamos o custo.

Por isso, ante as maiores dificuldades e sob o peso dos mais rigorosos deveres, sabemos que é ao lado do Mestre, na oficina do trabalho que nos compete, que devemos permanecer, pois é aqui, no caminho de nosso calvário redentor, que encontraremos o alento e a paz, a alegria divina e a felicidade com que sonhamos, na confortadora companhia dos Anjos de Deus.

Áureo (Correio Entre Dois Mundos, p. 215)