Queridos companheiros,

Aí está, clara e insofismavelmente entronizada, pelos homens do século, a imagem constrangedora do paradoxo que voluntariamente criaram:

– incensaram o poder da força bruta, e agora temem pelo desenfreio da violência, que não conseguem conter;

– incentivaram a indisciplina da permissividade, e não encontram saída para defender as sociedades da enxurrada licenciosa e desbordante do vício, que corrompe as melhores reservas das nações;

– recusam honras reais à bondade e ao amor fraterno, açulando os egoísmos desbragados, por considerá-los molas indispensáveis ao progresso, e já não vislumbram meios de equilibrar os ímpetos agressivos que ameaçam a tudo destruir;

– embasaram na iconoclastia e no agnosticismo os princípios éticos norteadores das relações humanas, e amargam a dura necessidade de multiplicar azorragues e enceleirar petrechos destruidores, na esperança de que o terror do mal maior funcione como dissuasão ao autogenocídio;

– trataram com desprezo os apelos amorosos da misericórdia, em favor do entendimento e da paz entre todas as criaturas e vêem-se a braços com o avolumar-se das tensões incontroláveis que as injustiças desataram e enfureceram.

Agora, que a crise fermenta a massa e ameaça explodir, não há como desfazer causas que produziram efeitos inelutáveis, senão apenas o dever de gerar causas novas, suficientemente poderosas para superar o mal e vitoriar o bem.

Enquanto os cirurgiões do desespero buscam, na vã farmacopéia da razão sem luz, o milagre do impossível, continuai, vós outros, no trabalho humilde e santo da reconstrução da esperança e da fundação da sociedade nova do amor evangélico.

A aparente modéstia das vossas atividades não vos deve nunca levar a crer que vosso mister seja, por silencioso e sem estardalhaços, menos importante ou de menor efetividade.

O Reino de Deus será instalado, afinal, mais cedo que parece, neste mundo.

E antes que os últimos ais dos guerreiros deixem de ecoar nas quebradas da Terra, o Senhor dará o governo do mundo aos mansos de coração.

Vosso.

Áureo (Correio Entre Dois Mundos, p. 219)